Noite na
Taverna
Uma análise Crítica do livro Noite na
Taverna.
Álvares de azevedo
Manuel
Antonio Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo a 12 de setembro de 1831, filho
do então estudante de Direito Inácio Manuel Álvares de Azevedo e de Maria Luisa
Mota Azevedo, ambos de famílias ilustres. Segundo afirmação de alguns de seus
biógrafos, teria nascido na sala da biblioteca da Faculdade de Direito de São
Paulo; averiguou-se, porém, ter sido na casa do avô materno, Severo Mota.
Escritor e poeta romântico foi em tudo coerente com as opções estéticas do
Romantismo: foi genial, culto, precoce e construiu uma obra pequena, porém
clássica, dentro da Língua Portuguesa, morrendo, provavelmente, de complicações
da tuberculose, aos vinte e um anos incompletos.
A noite na Taverna
Noite
na Taverna é uma coletânea de narrativas construída em sete partes. Traz
epígrafes e usa os nomes de cada um dos narradores como subtítulos, antecedendo
as histórias. Constitui a mais original produção em prosa de Álvares de Azevedo
e insere-se perfeitamente no clima romântico byroniano, refletindo também as
influências deixadas no autor pela leitura das novelas mórbidas do século XIX.
Os capítulos de Noite na Taverna são Uma Noite do Século, Solfieri, Bertram,
Gennaro, Claudius Hermann, Johann e Último Beijo de Amor.
Uma noite do Século
Uma
espécie de introdução apresentando o ambiente da taverna, a roda de bebedeira e
de devassidão em que se encontram os personagens e o tom notívago e vampiresco
em que se desenrolarão os fatos narrados.
Bertram,
Archibald, Solfieri, Johann, Arnold e os outros companheiros estão na taverna,
dialogando sobre loucuras noturnas, enquanto as mulheres dormem ébria sobre as
mesas. Falam das noites passadas em embriaguez e pura orgia. Solfieri os
questiona a respeito da imortalidade da alma, e parece não crer nela. Por isso,
Archibald o censura pelo materialismo. Solfieri acredita na libertinagem, na
bebida e na mulher sobre o colo do amado. Os homens só se voltam para Deus
quando estão próximos da morte. Deus é, pois, a “utopia do bem absoluto”.
Silêncio,
moço! Acabai com essas cantilenas horríveis! Não vedes que as mulheres dormem
ébrias, macilentas como defuntos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa
negro naquelas pálpebras onde a beleza sigilou os olhares da volúpia?
Cala-te,
Johann! Enquanto as mulheres dormem e Arnold - o loiro - cambaleia e adormece
murmurando as canções de orgia de Tieck, que música mais bela que o alarido da
saturnal? Quando as nuvens correm negras no céu como um bando de corvos errantes,
e a lua desmaia sobre a alvura de uma beleza que dorme, que melhor noite que a
passada ao reflexo das taças?
És
um louco, Bertram? Não é a lua que lá vai macilenta: é o relâmpago que passa e
ri de escárnio às agonias do povo que morrem aos soluços que seguem as
mortualhas do cólera.
As
primeiras páginas deixam antever o clima da geração do mal do século, a
irreverência incontida, a tendência às divagações literário-filosóficas, a
vivência sôfrega e, principalmente,a morbidez e a lascívia.
Estás
ébrio, Johann! O ateísmo é a insânia como o idealismo místico de Schelling, o
panteísmo de Spinoza - o judeu, e o histerismo crente de Malebranche nos seus
sonhos da visão de Deus. A verdadeira filosofia é o epicurismo. Hume bem
o disse: o fim do homem é o prazer. Daí vede que é o elemento sensível uem
domina.E pois, ergamo-nos, nós que amarelecemos nas noites desbotadas de estudo
insano, e vimos que a ciência é falsa e esquiva, que ela mente e embriaga como
um beijo de mulher.
A
vivência que o escritor demonstra é mais cultural que real, daí buscar
constantemente o reforço nas idéias de filósofos e literatos, reflexo do
impacto de suas diversas leituras.
Solfieri
Relata
uma viagem a Roma, a “cidade do fanatismo e da perdição, onde na alcova do
sacerdote dorme a gosto a amásia, no leito da vendida se pendura o crucifixo
lívido”. Certa noite, Solfieri vê um vulto de mulher. Segue-a até um cemitério;
o vulto desaparece e ele adormece sob o frio da noite e umidade da chuva.
A visão desse vulto atordoa o personagem durante um ano. Nem o amor o satisfaz
mais. Uma noite, após prolongada orgia, sai vagando pelas ruas e acaba “entre
as luzes de quatro círios que iluminavam um caixão entreaberto.” Lá estava a
mulher que lhe provocara tantas alucinações e insônias Era agora uma defunta.
Toma o cadáver em seus braços, despe-lhe o véu e faz sexo com ela. A mulher, no
entanto, não estava morta, apenas sofrera um ataque de catalepsia. Solfieri
leva-a então para seu leito. Depois de dois dias de delírio, ela morre realmente.
Solfieri chama um escultor e manda fazer uma estátua de cera da mulher
profanada, guardando-a em seu quarto. Conserva para sempre, junto ao peito, uma
grinalda de flores, lembrança do caixão da defunta.
Bertram
Bertram,
um dinamarquês ruivo, de olhos verdes, conta que, também uma mulher, Ângela, o
levou à bebida e a duelar com seus três melhores amigos e a enterrá-los. Quando
decide casar com ela e consegue lhe dar o primeiro beijo, recebe carta do pai,
pedindo seu retorna à Dinamarca. Encontra o velho já moribundo. Chora, mas por
saudade de Ângela. Dois anos depois, volta para a Espanha. Encontra a moça
casada e mãe de um filho. A paixão persiste e os amantes passam a se encontrar
às escondidas, até que o marido, enciumado, descobre tudo. Uma noite, Ângela,
com a mão ensangüentada, pede ao rapaz para subir até sua casa e por entre a
penumbra, ele encontra o marido degolado e sobre seu peito, o filho de bruços,
sangrando. Saem pelo mundo em grandes orgias. Ela foge mais tarde, deixando
Bertram entregue às paixões e vícios. Bêbado e ferido, é atropelado por uma
carruagem. É socorrido por um velho fidalgo, pai de uma bela menina que, mais
tarde, foge para casar-se com Bertram.
Ele a vende em uma mesa de jogo a Siegfried, o pirata. Ela mata Siegfried,
afogando-se em seguida. De dissipação em dissipação, o rapaz resolve matar-se
no mar da Itália, mas é salvo por marinheiros, fica sabendo que a pessoa que o
salvou foi, acidentalmente, morta por ele. São socorridos por um navio e
Bertram é aceito a bordo em troca de que combatesse, se necessário. Mas
apaixona-se pela pálida mulher do comandante e, durante uma batalha, ele o
trai, tomando-lhe a mulher. O navio encalha em um banco de areia,
despedaçando-se - os náufragos agarram-se a uma jangada e, em meio à tempestade,
vagam pelo mar as três figuras (o comandante, a mulher e Bertram), sobrevivendo
de bolachas e, mais tarde, tiram a sorte para ver quem morrerá para servir de
alimento para os outros. O comandante perde, clama por piedade, mas Bertram se
nega a ouvi-lo, prefere a luta. Mata o comandante, que serve por dois dias de
alimento à Bertram e à mulher. Ele propõe morrerem juntos, ele aceita. O casal
gasta as últimas energias no amor. A mulher, enlouquecida, começa a gargalhar.
Bertram a mata. Alimenta-se dela também. Depois, é salvo por um navio inglês.
Gennaro
Gennaro
conta que entrou como aprendiz do velho pintor Godofredo Walsh, casado em
segundas núpcias com Nauza, uma jovem de vinte anos, que lhe servia de modelo.
Com Godofredo, vive também Laura, de quinze anos, filha de seu primeiro
casamento. Gennaro seduz Laura, que durante três meses freqüenta o quarto do
rapaz. Grávida, ela implora para que ele a peça em casamento. Ele recusa porque
se apaixonara por Nauza, a esposa do pintor. Laura enfraquece.
Uma
noite... foi horrível...vieram chamar-me: Laura morria. Na febre murmurava meu
nome e palavras que ninguém podia reter, tão apressadas e confusas soavam.
Entrei no quarto dela: a doente conheceu-me. Ergueu-se branca, com a face úmida
de um suor copioso: chamou-me. Sentei-me junto ao leito dele. Apertou minha mão
nas suas mãos frias e murmurou em meu ouvido:- Gennaro, eu te perdôo: eu te
perdôo tudo...Eras um infame...Morrerei...Fui uma louca...Morrerei por tua
causa...teu filhos...o meu...vou vê-lo ainda...mas no céu...meu filho que
matei...antes de nascer...
Gennaro
torna-se amante de Nauza. Certa noite fria e escura saíram o mestre e o
aprendiz. Godofredo pôs-se a contar uma história (a real) de sua vida, expondo
o conhecimento que tinha dos fatos, sabendo que Gennaro fora amante da filha e
agora é amante da mulher. Musculoso e forte, Godofredo prostrou Gennaro, que
caiu em um despenhadeiro. Só não morreu porque ficou preso em uma árvore. Após
um dia e uma noite de delírios, acordou na casa de camponeses que o haviam
socorrido e, logo que sarou, partiu. Encontrou no caminho o punhal com que o
mestre tentara matá-lo. Munido da arma, procurou a casa de Godofredo, que
parecia abandonada. Entrou pelos quartos escuros, tateando até a sala do
pintor. Encontrando-a vazia, dirigiu-se ao quarto de Nauza e encontrou-a morta,
envenenada pelo marido, que jazia morto também e de sua boca “corria uma escuma
esverdeada.”
Claudius Hermann
Viciado
em jogo, Claudius Hermann chegou a apostar toda a sua fortuna. Em uma das corridas,
viu uma mulher passar a cavalo. Tal foi o fascínio que a dama exerceu sobre
ele, que, quase com obsessão, persegui-a. Descobriu que a mulher misteriosa era
a duquesa Eleonora. Um dia, encorajado, abordou-a. Eleonora era casada. Uma
noite, após um baile, aproveitou-se do cansaço e sonolência da mulher e, com a
chave comprada de um criado, entrou em seu quarto e lhe deu um narcótico
misturado ao vinho. Em seguida, seduziu-a.
Uma
semana se passou assim: todas as noites eu bebia nos lábios da dormida um
século de gozo. Um mês delirantes iam aos bailes do entrudo, em que mais cheia
de febre ela adormecia quente, com as faces em fogo...
O
marido, o belo e jovem Maffio, uma noite prometeu visitá-la em seu leito. O
amante, corroído de ciúme, resolveu fugir com a mulher. Após ministrar-lhe o
narcótico, saiu com a inconsciente pelos corredores, e partiram de carruagem.
Ao acordar, Eleonora percebeu que estava em um local estranho com um
desconhecido. Ficou desesperada. Claudius decidiu revelar-lhe o segredo. A mulher
argumentou ser impossível amá-lo, ele contra-argumentou dizendo-lhe não ser
possível a vida dela nos padrões da normalidade, uma vez que estava desonrada.
Ninguém a perdoaria. Eleonora, então, concorda em viver com ele.
(...)
um dia Claudius entrou em casa. Encontrou o leito ensopado de sangue e num
recanto escuro da alcova um doido abraçado com um cadáver. O cadáver era o de
Eleonora: o doido n em o poderíeis conhecer tanto a agonia o desfigurava. Era
uma cabeça hirta e desgrenhada, uma tez esverdeada, uns olhos fundos e baços
onde o lume da insânia cintilava a furto, como a emanação luminosa dos puis
entre as trevas... Mas ele o conheceu...era o Duque Maffio.
Johann
O
cenário é Paris. Johann e Artur jogavam num bilhar. Ao faltar um ponto para
Artur ganhar e ao narrador muitos, houve um desvio da bola e Johann exaltou-se,
provocando o adversário para um duelo de morte. Artur aceitou, mas antes de
partirem para a morte, escreveu algumas linhas e pediu para Johann entregá-las
juntamente com um anel, caso viesse a ser a a vítima. No duelo morreu Artur.
Johann, como havia prometido, tirou o anel do defunto, recolheu dois bilhetes.
O primeiro era uma carta para a mãe; o segundo continha apenas um endereço e um
horário. A assinatura era apenas um G. Johann foi ao encontro. “Era escuro.
Tinha no dedo o anel que trouxera do morto... Senti uma mãozinha acetinada
tomar-me pela mão... subi. A porta fechou-se.”
Ele
seduziu a virgem. Ao sair, topou com um vulto à porta, voz levemente familiar.
Desceu as escadas e sentiu uma lâmina resvalar-lhe os ombros. Uma luta terrível
foi travada e houve mais um assassinato.
Ao
sair tropecei num objeto sonoro. Abaixei-me para ver o que era. Era uma
lanterna furta-fogo. Quis ver quem era o homem. Ergui a lâmpada... O último
clarão dela banhou a cabeça do defunto...a apagou-se...Eu não podia crer: era
um sonho fantástico toda aquela noite. Arrastei o cadáver pelos ombros...
Levei-o pela laje da calçada até o lampião da rua, levantei-lhe os cabelos
ensangüentados do rosto (...) Aquele homem - sabei-o!? era do sangue do meu
sangue, filho das entranhas de minha mãe como eu...era meu irmão. Mas a
desgraça maior ainda estava por ser revelada: Johann havia possuído sua própria
irmã.
Último Beijo de amor
A
noite ia alta e a orgia findara, os convivas dormiam embriagados. Entrou na
taverna uma mulher vestida de negro, procurando um rosto conhecido. Quando a
luz bateu em Arnold, a mulher ajoelhou-se, em seguida ergueu-se, dirigindo-se a
Johann.
(...)
A fronte da mulher pendeu e sua mão pousou na garganta dele. Um soluço rouco e
sufocado ofegou daí. A desconhecida levantou-se. Tremia; ao segurar na lanterna
ressoou-lhe na mão um ferro...era um punhal...Atirou-o no chão. Viu que tinha
as mãos vermelhas, enxugou-as nos longos cabelos de Johann.
Voltando-se para Arnold, fez-se reconhecer. Era Geórgia que voltava, depois de
cinco anos. Arnold pediu que o chamasse como antes - Artur - e pede-lhe beijos,
enquanto ambos lamentam a sorte. A mulher somente vinha para dizer-lhe adeus e
depois fecharia a porta de sua própria sepultura. Confessa a morte de Johann
para vingar-se daquele que a levou a prostituir-se. Geórgia prostituta vingou
nele Geórgia - a virgem. Esse homem foi quem a desonrou, desonrou-a a ela que
era sua irmã.
Estrutura Narrativa de Noite na Taverna
No
final da peça Macário, Álvares de Azevedo apresenta a personagem título
aproximando-se de uma janela e observando, dentro de uma taverna, vários jovens
conversando. Assim, na verdade, inicia-se o livro A Noite na Taverna. Seu começo
é encadeado à peça, mas não se trata de um texto dramatúrgico. É um livro de
narrativas curta em prosa, e não teatro. A obra é estruturada em abismo. Cada
capítulo é uma história contada dentro de outra história. São, portanto, contos
ligados através da estrutura conhecida como moldura narrativa - uma narrativa
geral une todas as outras. Tal recurso, conhecido também como contos
enquadrados, remete às mais antigas coletâneas de contos da literatura
universal, como As Mil e Uma Noites, o Decameron, de Bocaccio e os Contos de
Canterbury, de Chaucer.
Em
Noite na Taverna, cada conto tem um narrador diferente. Cada um dos homens
conta a sua história medonha, afirmando que “não é um conto, é uma lembrança do
passado”. Afirmações como essa são típicas do Romantismo. Procuram, assim,
estabelecer a veracidade de textos bastante inverossímeis, histórias
fantásticas, impossíveis de acontecer na realidade. Os homens reunidos na
taverna procuram impressionar seus ouvintes, acrescentando detalhes cada vez
mais imaginativos, macabros e chocantes a seus relatos amorosos, ditos pessoais
e verídicos. Antônio Cândido explica que, em Álvares de Azevedo,
“elementos macabros estariam compondo com estes, de maneira peculiar, o par
romântico Amor e Morte.”
A
obra está dividida em dois planos: uma narrativa externa, que apresenta os
rapazes já bêbados na taverna e prestes a contar cada um sua história, e as
várias narrativas internas ou aventuras apresentadas - os contos são nomeados
segundo o nome daquele que os narra e também protagoniza - Solfieri, Bertram,
Gennaro, Claudius Hermann e Johann, diferenciando-se desse esquema a introdução
e a finalização, chamadas respectivamente Uma Noite do Século e Último
Beijo de Amor.
Temática da obra
Os
contos giram em torno dos temas do amor e da morte, que são relacionados pela
presença de momentos de necrofilia, incesto, assassinatos, canibalismo,
loucuras várias. Assim, o amor está sempre na fronteira com a morte e a
sexualidade se reveste de culpas e punições. O tema não envereda, de fato, pela
senda do sobrenatural, mas sim pelo extravagante e hiperbólico. Necrofilia,
catalepsia, amor obsessivo, infanticídio, assassinato do esposo, ingratidão,
aborto, adultério, sonambulismo, suicídio, emprego de narcótico como recurso
amoroso, incesto e fratricídio são as matérias primas para as histórias
contadas pelos personagens. E tudo isso, precedido por um vivo debate
filosófico.
Capítulo 1- A temática desenvolvida aqui é a oposição entre a
imortalidade/mortalidade da alma, a afirmação do prazer versus a negação do
prazer, a existência de Deus versus a inexistência de Deus. Daí o autor
colecionar uma série muito grande de citações filosóficas, que remtem para um
ou outro dos temas, deixando o leitor suspenso entre dois termos.
Capítulo 2 - O tema é a necrofilia, a morte, a catalepsia e o
amor obsessivo.
Capítulo 3 - O amor obsessivo, o adultério, o ciúme, o
assassinato do marido, a miséria de uma vida desregrada e o amor exclusivamente
carnal que logo finda constituem-se na temática deste capítulo.
Capítulo 4 - A temática é o desencontro, a ingratidão, o aborto,
o adultério, o sonambulismo, o a amor obsessivo, o suicídio e o arrependimento.
Capítulo 5 - Traz uma simetria interessante entre a conduta do
personagem Claudius Hermann e a do Duque Maffio. temática deste capítulo
é o amor obsessivo e a perversão sexual.
Capítulo 6 - Os temas são o incesto e o fratricídio.
Capítulo 7 - A temática do último capítulo é a vingança do
destino, a fatalidade da ignorância e o suicídio.
Ao
longo de Noite na Taverna são introduzidos, na literatura brasileira, temas
relacionados ao fantástico e ao macabro. No todo, predomina a intenção de fugir
da realidade na bebida e na fantasia. Os personagens estão saturados de extrema
melancolia e pessimismo, características dominantes do Ultra-Romantismo, no
qual os autores se preocupavam em descrever paisagens sombrias e acontecimentos
misteriosos.
Recursos de Expressão
Ao
longo de Noite na Taverna, Álvares de Azevedo emprega diversos recursos
expressivos. Entre eles, destacam-se os diálogos intertextuais. O autor dialoga
com autores e textos vários, os quais demonstra conhecer profundamente.
Na
primeira parte da obra, o autor faz referências às canções de Tieck, à
filosofia de Fichte, Shelling, Epicuro, Hume, Spinoza e de Schiller. Refere-se
à poesia épica de Homero: “(...)aí, há folhas inspiradas pela natureza ardente
daquela terra como nem Homero as sonhou (...)”. E à literatura de Hoffmann:
“(...) uma história sanguinolenta, um daqueles contos fantásticos - como
Hoffmann (...)”.
A
parte 3 também é recheada de diálogos entre o autor e outros autores e/ou
obras, tais como o Otelo, de Shakespeare, a novela Dom Juan, Dante, Byron, o
Fausto, de Goethe, o Hamlet, de Shakespeare e o poeta português Bocage. O
próprio nome do livro, a ação dos personagens dialogando em uma taverna, pode
ser uma referência direta à vida e obra do poeta português. Álvares de Azevedo
interage com a Bíblia:
(“...)
como Satã quarenta séculos depois fez a Cristo e disse-lhe: Vê, tudo isso é
belo-vales, montanhas, águas do mar que espumam folhas das florestas que tremem
e sussurram como as asas dos meus anjos - tudo isso é teu...”
A
parte 6 parece toda inspirada na tragédia Édipo Rei. Sem ter conhecimento,
Édipo mata o pai e se casa com a mãe; por ignorância, Johann torna-se amante da
irmã e mata o irmão. Quando toma conhecimento do infortúnio, Édipo vaza os
próprios olhos, o que de certa maneira, faz Johann ao transformar-se em um
ébrio para esquecer seu destino. Por fim, ambos sofrem por não darem atenção à
lição do oráculo de Delfos: conhece-te a ti mesmo.
Protagonistas
Os
protagonistas ou personagens principais de Noite na Taverna são, basicamente,
os jovens Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann, Johann e Artur que se
encontram reunidos na taverna. Além deles, Geórgia, que reaparecendo já no
final do livro, acrescenta uma nota de plausibilidade às histórias narradas.
Todos os protagonistas são do tipo anti-herói, pois que, mesmo em posição de
herói pelas coisas que contam, mostram-se iguais ou inferiores aos outros
componentes do grupo. Ou são vítimas da adversidade ou são presas de seus
próprios defeitos de caráter.
Personagens Secundários
Os
personagens secundários vão sendo introduzidos no enredo através das narrativas
dos convivas, com exceção da taverneira, do velho que interrompe Bertram e de
Geórgia, que participam da ação na taverna. Assim, temos a moça do cemitério, o
guarda, o ébrio, o ébrio, os companheiros, o escultor. Ângela, o pai de
Bertram, o esposo de Ângela, o filho de Ângela, o velho nobre, a filha do
nobre, o pirata Siegfried, o homem que tenta salvá-lo e é morto, a amante do
velho que interrompe a narrativa, o dono do cérebro que preencheu a caveira
exibida pelo velho, o capitão da corveta, a esposa do capitão, os marinheiros,
os piratas do barco que ataca a corveta. Godofredo Walsh, Laura, Nauza, a velha
da cabana, os camponeses. Eleonora, o criado venal, o Duque Maffio, a dona da
estalagem, os amigos no bilhar, a mãe de Artur, G. (irmã), o desconhecido
(irmão).
A
falta de indicação de nome e caracterização dos personagens secundários confere
aos personagens principais um individualismo acentuado. É como se eles não
tivesses suas próprias vidas, existindo apenas em função dos narradores.Pode-se
perceber que, quase sempre, os personagens secundários são planos, pois que
caracterizados, no máximo, com um pequeno número de atributos.Comumente, são
personagens plano tipo, isto é, personagens reconhecidos apenas por determinado
acento invariável, como por exemplo, o guarda, o escultor, etc.
Caracterização dos Personagens
SOLFIERI - Um jovem boêmio, alcoólatra, persistente, pois que
faz de tudo para alcançar o amor da mulher.
A MULHER AMADA POR SOLFIERI - Era como um anjo para ele, uma pessoa que sofria de
catalepsia e depressão.
BERTRAM - Ruivo, de pele branca e olhos verdes. Alcoólatra e boêmio.
Influenciado pela amada, muda seu jeito de ser, transformando-se em um ser
obscuro e viciado, provocando a própria decadência.
ÂNGELA - Morena andaluza, calma e pura na visão de Bertram. No decorrer da
história, mostra seu lado agressivo e malévolo.
A MULHER DO COMANDANTE - Branca, melancólica, triste e carente. Era pura, mas
no desenvolvimento da trama, mostra seu lado infiel.
O COMANDANTE - Um homem bonito, com rosto rosado, de cabelos
crespos e loiros, valente e brutal, mas um bom marido.
GENNARO - Um pintor bonito quando jovem, puro, pensativo e melancólico. Cínico
e despreocupado acerca dos sentimentos alheios. Devotado à Nauza.
LAURA - Filha de Godofredo do primeiro casamento. Pálida, de cabelos castanhos
e olhos azuis. Amava Gennaro, de uma forma pura e sem malícia.
GODOFREDO WALSH - Professor de pintura de Gennaro. Era robusto, alto e
forte. Agia por impulso, vingativo.
NAUZA - Jovem e bonita, era a mulher de Godofredo. Carente, encontrava
carinho nos braços de Gennaro.
CLAUDIUS HERMANN - Muito rico, não se importava com a desonra nem com o
adultério. Só pensava na amada Eleonora.
A DUQUESA ELEONORA - Bela, pura e vaidosa. Pele alva e cabelos negros.
Amava o marido, mas resolve fugir com Claudius porque não queria ser acusada de
adultério pela sociedade que tanto prezava.
O DUQUE MAFFIO - Marido de Eleonora. Amava-a tanto que foi levado ao
assassinato e ao suicídio.
JOHANN - Jovem boêmio, obsessivo, curioso e nervoso. Desonra a própria irmã e
mata o irmão sem o saber.
ARTUR OU ARNOLD - Loiro, de feições delicadas, possuía o rosto oval e
faces avermelhadas. Amava muito Geórgia.
GEÓRGIA - Irmã de Johann. Pura, inocente e apaixonada. No decorrer da história,
entrega-se para o irmão, pensando que ele era o amado. Volta, no final, para
vingar-se.
O IRMÃO DE JOHANN - Protetor, tenta matar o homem que desonrou a irmã.
Tempo
O
texto apresenta basicamente, três tempos:
1)
A conversa entre os convivas, na taverna, ocorre no presente, tempo que
predomina nos capítulos 1 e 7;
2)
As histórias contadas pelos rapazes situam-se no passado, que predomina nos
capítulos 2, 3, 4, 5 e 6, se bem que no início, durante e no fim de cada
narrativa, os personagens retornam rapidamente para a taverna. A interação dos
tempos (presente, passado e presente do passado) produz no leitor a impressão
de estar se movendo em um mundo estranho, mágico, no qual acaba sendo
introduzido, ao sabor da narrativa;
3)
Os diálogos existentes em todas as narrativas conferem atualidade às histórias
narradas pelos personagens principais.
A
única referência histórica que dá uma vaga noção de localização cronológica do
encontro na taverna está presente no relato do velho que interrompe a narrativa
de Bertram: (...) e banhei minha fronte juvenil nos últimos raios de sol da
águia de Waterloo - Apertei ao fogo da batalha a mão do homem do século. Assim,
o velho seria jovem em 18 de junho de 1815, quando Napoleão enfrentava o Duque
de Wellington, em Waterloo. Em razão desta referência, pode-se situar o
encontro fictício na taverna mais ou menor na época em que o texto foi escrito.
No
livro de Álvares de Azevedo, nada há de seguro ou definitivo em relação ao
tempo. Datas, épocas ou duração dos fatos são apenas superficialmente
sugeridos. Foi escrito tanto em tempo cronológico quanto em tempo psicológico.
O tempo que decorre dentro da taverna é real: (...)Cala-te,Johann! Enquanto as
mulheres dormem(...) Ocorre o que chamamos de flash back. A partir do momento
em que os jovens começam a contar suas histórias, eles mergulham nas lembranças
do passado e o tempo passa a ser psicológico: Era em Roma. Uma noite a lua ia
bela como vai ela no verão(...) No decorrer do enredo, há uma alternância entre
passado, presente e futuro, tempo real e tempo psicológico. Quando um
personagem faz sua narrativa, retorna, uma vez ou outra, ao ambiente da
taverna, não permanecendo sempre no tempo psicológico.
Espaço
Espaço
é o local onde se passa a ação. É ele que dá conta do lugar físico onde ocorrem
os fatos. Se a ação for concentrada, com poucos fatos narrados ou quando o
enredo é psicológico, haverá menos variedade de espaços. Em Noite na Taverna,
muito ao contrário, tem-se uma narrativa cheia de peripécias, com grande
afluência de espaços diferentes.
De
início, o espaço é a própria taverna, onde o diálogo é travado. A medida que se
desenvolve a trama e as histórias de cada um vão sendo contadas, temos como
espaço da narrativa: o palácio, o cemitério, a igreja, a ponte e as ruas da
cidade; a casa, o quarto da casa (Solfieri); a casa do pai, o jardim da casa de
Ângela, a casa dela, diversos locais pelos quais viajam juntos (não
especificados), o palácio do nobre, o local onde joga com o pirata Siegfried
(não especificado), o rochedo de onde salta para a morte, os diversos locais
citados pelo velho que interrompe o narrador (Waterloo, Bélgica, taverna em
Portugal, túmulo de Dante na Itália, Grécia e outros não especificados), a
corveta, o mar, a cabine do comandante (sugerida), o navio pirata, a jangada e
o brigue inglês Swalow (Bertram); a casa do mestre, o quarto de Gennaro, o
quarto de Laura, o quarto do casal, a cabana na montanha, a cabana dos
camponeses (Gennaro); o teatro, o palácio de Eleonora, o quarto dela, as ruas
da cidade, os corredores e o pátio do castelo, o carro, a estalagem, o quarto
alugado, a casa do casal Claudius e Eleonora, o quarto do casal (Claudius
Hermann); o bilhar, o hotel, o quarto de Artur, fora da cidade, o sobrado da
amante de Artur, a escada da casa, a porta de saída, a calçada na rua, o quarto
da irmã (Johann).
Ambiente
É o
conjunto de espaço acrescido de suas características socioeconômicas, morais,
psicológicas, em que vivem os personagens. Em resumo, ambiente é um conceito
que aproxima tempo e espaço, recheados de um clima.
Em
Noite na Taverna, o ambiente é macabro, projeção dos conflitos vivenciados, ele
reflete o pensamento mórbido e alucinado dos personagens. Todo o clima, como o
tema, é noturno: histórias que e desenrolam na calada da noite, penumbra,
melancolia, fumo, álcool, depressão e, por analogia, as características morais,
religiosas e psicológicas traduzem o mesmo tom: são depravados, ébrios,
assassino e boêmios.
Narrador
O
livro é, inicialmente, narrado em terceira pessoa, apresentando os personagens
na taverna. Após essa introdução, passa a ser narrado em primeira pessoa, na
qual cada personagem tece sua trama.
Conclusão
Álvares
de Azevedo revolveu delicadas feridas da sociedade brasileira da época e a
afrontou tabus, e com isso - assim como em diversos outros pontos - ele seguiu
as pegadas de Lord Byron - em cujas obras aparecem também traços
não-conformistas e anti-sociais. Em Noite na Taverna não há justiça, probidade,
remorso nem compaixão. Os rapazes na taverna, enquanto contam suas aventuras,
são como anjos da morte e da destruição semeando a ruína e o desastre por onde
passam. Sua postura é narcisista. Apenas buscam o prazer e a satisfação dos
próprios desejos.
O
texto não está construído de forma a incutir susto ou medo no leitor (como
seria o caso na literatura de horror ou sobrenatural), mas antes, provocar o
estranhamento e a repulsa. No entanto, uma das suas qualidades é, justamente,
prender a atenção, página a página, através do emaranhado das situações
descritas. Sem dúvida, as noites de vícios e devassidão narradas por Álvares de
Azevedo, chamaram a atenção e chocaram o público leitor da década de 1850.
Noite
na Taverna apresenta um mundo que não era o de Álvares de Azevedo, nem o de sua
infância em família, nem o de sua mocidade e amadurecimento. Sua biografia
deixa claro o tipo de valores nos quais ele foi criado: os da sólida e
tradicional família brasileira, abastada, convencional e letrada. Orgias, a
crueldade, a fealdade e os vícios de seus personagens em nada correspondem à
realidade ou à vida do poeta. Somente o desejo de fuga da realidade explica tal
escrito em que o amor é encarado pelo autor de maneira pervertida. Na vida
real, nada mais era do que filho e irmão dedicado. Os sentimentos expostos em
Noite na Taverna são puramente intelectuais.
Álvares
de Azevedo inscreve sua obra na tradição do romance gótico. Pode-se avaliar
como provenientes do romance gótico inglês, não apenas vários dos temas de
Azevedo, como incesto e assassinato entre familiares, como ainda o gosto pelos
incidentes sensacionais - raptos, fugas, aventuras em rápida sucessão, etc.
Provavelmente, esses são elementos que foram injetados na poética de Álvares de
Azevedo não apenas através de Hoffmann (Contos Fantásticos), mas também de
Byron, de quem era assíduo leitor. O poeta inglês derramou pelo mundo uma
mensagem de decadência e melancolia, erotismo e depravação, rebeldia e
morbidez, que afinal alcançou e estudante paulista e toda uma geração
brasileira. Os valores góticos fizeram de Noite na Taverna uma coletânea de
brutalidades e perversões, cujas sementes são a descrença, o cinismo e o
deboche. Em Azevedo, o recurso a elementos do romance gótico significa uma
revolta contra a moral burguesa e sua rigidez de costumes. É, sem dúvida, uma
produção noir. Antônio Cândido assinala:
(...)
marcada pelo incesto, a necrofilia, o fratricídio, o canibalismo, a traição, o
assassínio - cuja função para os românticos era mostrar os abismos virtuais e
as desarmonias da nossa natureza, assim como a fragilidade das convenções.
Associados a isto a modo de correlativo, a noite, a tempestade, o raio, o
naufrágio, o tufão - constituindo o arsenal daquele belo sublime que podia
costear o horrível, como indicam algumas páginas críticas de Álvares de
Azevedo.
As
histórias de Noite na Taverna são carregadas de fantasia. São homens devassos
que se apaixonam por mulheres perdidas ou virgens misteriosas que terminam por
perder-se. A sexualidade é sempre punida com a loucura e com a morte e o amor
jamais se realiza plenamente. A atmosfera das cidades é corrompida e nebulosa,
povoada de figuras fantasmagóricas. A imaginação romântica de Álvares de
Azevedo marca de forma exuberante os contos do livro, narrados num estilo
repleto de adjetivos e reticências. Em síntese, Azevedo escreveu:
em
tumulto, sem muito senso crítico; com traços de perversidade; demonstrando um
cansaço precoce da vida; corporificando as várias tendências psíquicas de uma
geração; com uma viva fantasia; apresentando características como egocentrismo,
dualidade, auto-ironia, pessimismo e humor negro, ou seja, como um legítimo
representante do ultra-romantismo.
Como
escritor brilhante que foi e poeta original e talentoso, a qualidade de sua
obra surpreende pela precocidade com que foi concebida. Seus textos refletem o
ambiente de sua época, onde a literatura estava impregnada de pessimismo,
ceticismo, morbidez e pressentimento da morte.
Referências Bibliográficas
AZEVEDO,
Álvares de. A noite na taverna. São Paulo: Ediouro, 19--.
A noite na taverna: contos phantasticos. Pelotas: C. Pinto, 19--.
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CÂNDIDO, A. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia,1981.
v.2.
CEREJA, William R.; MAGALHÃES, Thereza. Literatura brasileira. São Paulo:
Atual, 1995.
GANCHO, C. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática, 1995.
LUFT, Celso. Dicionário de literatura portuguesa e brasileira. Porto
Alegre: Globo, 1979.
MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1984.
Teoria da literatura . Coimbra: Almedina, 1968.
VILLAÇA, A. Álvares de Azevedo. São Paulo: Três, 1984.